A influência psicológica dos discursos do BTS na ONU

Gabrielle Guimarães
9 min readSep 5, 2021

Nas primeiras eras do Bangtan, a crítica ao sistema de ensino e opressão dos adultos é evidente. Pode parecer que, na era ‘Love Yourself’, o BTS se distanciou disso, contudo, análises profundas sobre as músicas e discursos dessa era provam que, como SUGA disse na conferência de imprensa do álbum ‘Love Yourself: Her’, “não é um álbum do BTS se não tiver uma música criticando a sociedade”.

Dessa forma, nessa trilogia de álbuns, eles falam sobre se apaixonar e sobre crescimento pessoal, criticando as exigências sociais que estão no caminho para o amor próprio (BIG HIT ENTERTAINMENT, 2017). No entanto, o BTS buscou ir além da música, levando a mensagem para outras áreas, mostrando que não basta apenas criticar, é preciso promover mudanças através de suas críticas.

Neste texto, portanto, vamos abordar um pouco dessas mudanças em relação com a Psicologia e o impacto delas na vida do ARMY, através da aceitação e coragem.

Lee Ji Young, filósofa e autora do livro “BTS, Art Revolution” (2019), pontua que existe uma relação dinâmica entre “speak yourself”, “love yourself” e a solidariedade. Isso porque, no mesmo ano do primeiro álbum dessa era, a campanha anti-violência Love Myself foi fundada em parceria com a UNICEF. Até o momento, a ação já arrecadou US $2,98 milhões globalmente (UNICEF, 2021).

O impacto do grupo na campanha foi tamanho que eles foram chamados para discursar na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2018 e também para a 75ª, que ocorreu em 2020. Ambos discursos são poderosas expressões de esperança, independente da época em que foram feitos. Já em 2021, através de um vídeo postado pela Big Hit Labels em seu canal no YouTube, os membros comunicaram a renovação da campanha Love Myself com a UNICEF, falando sobre a importância em continuar juntos nessa luta contra a violência, especialmente por conta do isolamento social, advindo da pandemia da COVID-19.

Como apontado, existe uma relação entre a verbalização e a atitude (ASSAZ, KOVAC, OSHIRO, MEYER, 2018). Dessa forma, vemos que os álbuns e as ações do BTS com a UNICEF estão ligados. O que RM trouxe quando começou a contar sobre sua infância no discurso de 2018 condiz com a descrição do ‘LOVE YOURSELF 轉 TEAR’, por exemplo, pois este álbum fala de “perda e separação” (BIG HIT ENTERTAINMENT, 2018).

“Logo, comecei a calar minha própria voz e passei a escutar as vozes dos outros. Ninguém chamava meu nome, nem eu mesmo chamava. Meu coração parou e meus olhos fecharam-se. E é assim, dessa forma, que eu, nós, todos perdemos nossos nomes.”
- RM na Assembleia Geral da ONU em 2018.

“Eu esqueci a rota pela qual eu vim
Eu até mesmo esqueci
De quem eu era de verdade”
- Fake Love (BTS, 2018)

Para a Terapia de Aceitação e Compromisso, ambientes (pessoas, lugares, situações) que invalidam e julgam podem ter grande parcela no sofrimento humano (ASSAZ et al., 2018). Nossa autoestima e valores são construídos, pelo menos inicialmente, com base no Outro, ou seja, pela aprovação ou reprovação da nossa comunidade, família e amigos.

Em um primeiro momento, isso pode parecer bom, pois isso faz as pessoas ao nosso redor felizes.

“Visto roupas que odeio
Maquiagem excessiva
Porque sua risada e felicidade são o tamanho da minha felicidade
Esse é como sou eu mereço seu amor?”
- Outro: Her (BTS, 2017)

Porém, chega um momento em que os padrões impostos pelos outros nos enrijecem, nos tornam psicologicamente inflexíveis. Assim, é possível que nos tornemos muito autocríticos e que a autoestima seja afetada, tanto em relação ao corpo quanto em relação a características internas.

RM, ainda em seu discurso de 2018, lembra quando começou a se preocupar com o que os outros falavam sobre ele e passou a buscar meios de se encaixar nos moldes da sociedade, e como consequência perdeu seu nome e sua voz. A música Intro: Singularity também traz esse conflito, que surge quando nos deparamos com a realidade em que não sabemos quem somos.

“Lembrando disso, eu acho que foi aí que comecei a me preocupar com o que as pessoas pensavam de mim, e comecei a me enxergar pelos olhos delas.”
- RM na 73ª Assembleia Geral da ONU (2018)

Eu enterrei minha voz por você
[…] Será que eu me perdi
Ou ganhei você?
- Intro: Singularity (BTS, 2018)

Contudo, somos impelidos a evitar esses sentimentos, o que, em longo prazo, é ineficaz (COSTA, SOARES, 2015). Na música Fake Love, BTS mostra a angústia por estar escondendo seus verdadeiros sentimentos, porém, que eles não podem mais ser ignorados. Santos, Gouveia & Oliveira (2015), afirmam que se esquivar do problema ou dos sentimentos que estão causando sofrimento traz um alívio momentâneo, e que, ironicamente, a mudança só acontece quando aceitamos e paramos de fugir.

“Seria capaz de fingir ser forte mesmo estando machucado
Eu queria que o amor pudesse ser aperfeiçoado apenas com amor
Queria que todas minhas fraquezas pudessem ser escondidas”
-Fake Love (BTS, 2018)

Na Terapia de Aceitação e Compromisso, a aceitação é definida como a ação de abraçar as experiências, sejam aquelas que trazem alegrias ou aquelas que trazem sofrimentos, enquanto elas estão ocorrendo (MONTEIRO et al., 2015). No entanto, Santo, Gouveia & Oliveira (2015), reiteram que a aceitação não trata-se de conformismo ou comodidade, mas sim de um caminho para a liberdade.

Entende-se por liberdade, nesse sentido, a ciência de que indivíduo tem na sua potencialidade. Carl Rogers, teórico da abordagem centrada na pessoa (ACP) e autor de “Tornar-se Pessoa” (2017), aborda a complexidade e profundidade no processo da busca de si mesmo, um olhar para a integralidade do indivíduo e seu projeto de vir a ser pessoa, propriamente dito.

Uma abordagem centrada na pessoa baseia-se na premissa de que o ser humano é basicamente um organismo digno de confiança, capaz de avaliar a situação externa e interna, compreendendo a si mesmo no seu contexto, fazendo escolhas construtivas quanto aos próximos passos na vida e agindo a partir dessas escolhas (ROGERS, 1978, p. 23)

Sendo assim, podemos considerar que a autoconfiança na pessoa parte da compreensão de que o próprio organismo tem a capacidade de auto direcionamento e consequentemente na escolha do que for adequado para a sua auto realização. Quando RM diz sobre não conseguir escutar sua própria voz na tentativa de se moldar por vozes externas a ele, uma parte dele se perdeu por não escutar o que ocorria no próprio organismo. Nos escutar é fundamental para fazermos escolhas e definir os próximos passos a serem seguidos.

Oliveira (2018) afirma que, em virtude da busca por si mesmo, ainda que o indivíduo encontre as respostas que procura para sanar seus conflitos, ele também fica à mercê das angústias, como todo processo, esse fluxo faz parte das escolhas que ele se responsabiliza. Dessa maneira, o autoconhecimento gera a possibilidade de amadurecimento. Isso é mostrado durante o ‘Love Yourself: Answer’, na qual RM diz, em várias entrevistas, que o que eles oferecem é uma resposta, diante de um leque de possibilidades.

Answer’ é anunciado com ‘Epiphany’, cantada pelo Worldwide Handsome Jin, reforçando que, quando despertamos para o que nós somos e podemos ser, o amor verdadeiro começa com o amor próprio (BIG HIT ENTERTAINMENT, 2018).

“O grande anel de crescimento da sua vida
É uma parte de você, é quem você é
Agora vamos perdoar a nós mesmos
Nossas vidas são longas, confie em si mesmo quando estiver num labirinto
Quando o inverno passar, a primavera chegará”
- Answer: Love Myself (BTS, 2018)

‘Love Yourself’, então, diz respeito a aceitar a própria identidade, distinguindo falhas próprias das falhas que permeiam os sistemas sociais e culturais. Ao falar por si mesmo e nos incentivar a realizar tal ato, BTS revela sua existência em meio à discriminação, ouvindo-se e fazendo-se serem ouvidos.

Dois anos após o primeiro discurso na ONU e o lançamento dos álbuns, o grupo retorna, com os membros mais maduros, com mais vivências e aprendizados. Além de terem mudado internamente, o cenário também é totalmente novo e desconhecido devido a pandemia da COVID-19, que mudou os planos de milhares de pessoas ao redor do mundo, ou seja, a mudança já esperada ganhou uma nova perspectiva quando o cenário externo também mudou: sem shows, sem turnê e isolados em casa como a maioria da população mundial.

“Tudo que eu poderia fazer era olhar pela janela. O único lugar que poderia ir era o meu quarto. Ontem dancei e cantei com fãs de todo o mundo. Hoje parecia que meu mundo havia encolhido em uma sala. Naquela época, meus colegas deram as mãos. Sentamos juntos e conversamos sobre o que poderíamos fazer juntos”
- Jimin, na 75a Assembléia Geral da ONU

Diante do trecho do discurso acima, relacionamos a mais um conceito de Carl Rogers: “a vida plena”. O autor usou essa expressão para se referir ao conjunto de características, atitudes e comportamentos das pessoas que adotaram o seguinte processo de vida: se manter presente no momento atual e realizar escolhas viáveis de acordo com aquele momento, estando aberto às diferentes possibilidades do percurso.

Portanto, com todas as relações expostas, observamos como a discografia do BTS caminha lado a lado com suas posições pessoais em alguns pontos, pelo menos ao que temos conhecimento. Tanto os álbuns quanto os discursos promovem discussões e influenciam o ARMY em algum nível: a busca pelo autoconhecimento, discussões sem tabu sobre saúde mental, o incentivo para a caridade, a não violência e a busca constante por evolução.

Todos nós sofremos e sofreremos pressões da sociedade, mas é preciso coragem para prestar atenção no que nos importa, encontrar nossos valores e nossa voz e decidir lutar pelo que acreditamos. Como disse j-hope no discurso de 2020, “tudo que fiz para chegar aqui foi confiar em nós mesmos, dar o meu melhor e amar o que faço”.

Texto também publicado no B-Armys Acadêmicas
Co-autoria:
Alicia Mesquita e Gardênia Pereira
Revisado por: Elinaete Sabóia e Rafaela Silva

Referências

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Gabrielle Guimarães

23 anos, psicóloga, escritora e fã de cultura asiática.