Relação entre ARMY e BTS em tempos de pandemia
A pandemia em virtude da COVID 19 continua sendo um assunto — infelizmente — recorrente no momento em que esse texto está sendo publicado, e talvez seja responsável pela maioria das mudanças ocorridas há pelo menos um ano. A matéria feita pela BBC¹ sobre o impacto emocional durante esse período afirma que 45% dos 21 mil entrevistados declararam que sua saúde mental piorou um pouco ou muito no último ano, e que esse é um problema global.
A Teoria da Escolha, de William Glasser, diz que agimos da maneira que aumentamos o prazer e diminuímos a dor, queremos — e devemos — nos comportar do jeito que nos faça sentir melhor. Por isso, qualquer comportamento que satisfaça nossas necessidades: sobrevivência, amor, pertencimento, liberdade, poder e diversão é prazeroso e o contrário é sofrimento. O autor afirma que é apenas por meio das nossas relações que podemos satisfazer nossas necessidades, sendo assim é importante ponderar nossas escolhas para nosso próprio bem estar mental (COLLINS et al., 2016).
Relacionando os dois eventos: impacto da saúde mental versus nossas relações, associaremos nesse texto a influência positiva das interações e conexões entre os ARMYs e o BTS, e demonstraremos através de conceitos psicológicos como essa relação entre fã e Idol é significativa para a vivência do indivíduo, principalmente no período em que o isolamento social é uma medida de segurança.
Quando se trata da relação entre BTS e ARMY, sabemos que muitas coisas levam a estreitar o vínculo entre nós e eles. Nos sentimos próximos deles através de suas músicas, shows e lives, e até mesmo através de suas atitudes em frente a questões sociais.
Segundo Elberse e Woodham (2020), o grupo surgiu quando Bang Si Hyuk, o fundador da Big Hit Entertainment e atual CEO da HYBE, este tentava se reerguer depois de tentativas pouco sucedidas de gerenciar artistas. Desse modo, o grupo BTS veio inovando diversos padrões da indústria do Kpop.
Um desses padrões inclui a forma como os idols interagem com seus fãs. As autoras citadas acima dizem que levou um tempo para que o grupo soubesse como se comunicar melhor com o fandom. Mas, graças a plataformas como o Fancafe e, atualmente, o Weverse, o distanciamento entre fã e artista foi rompido.
Então, mesmo antes da pandemia, o Bangtan já desenvolvia uma comunicação horizontal conosco por meios digitais. Em “Seguindo o Pied Piper: As Reflexões sobre o contexto estudantil levantadas pelo BTS”, mencionamos sobre o conceito de rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 1995) e como o fandom ARMY se organiza como uma rizoma, em que todos estão no mesmo nível. Essa quebra de hierarquias começa com o próprio grupo, o qual co-existe e compartilha experiências com a gente, por isso, como dito, nossa relação com eles tem laços estreitos. Esta relação recíproca é uma das explicações encontradas para tantas conquistas do BTS e nossas.
Como muitos fãs estão, de fato, conectados com os meninos, vê-los por telas de celular ou computador é costumeiro. Dessa forma, apesar da tristeza de não poder vê-los na Map Of The Soul Tour, nem eles e nem o fandom deixaram um ao outro desamparado.
Apesar do uso de meios tecnológicos serem uma das principais fontes de interação entre o BTS e os fãs, foi impossível não sentir o impacto da pandemia que obrigou o mundo a se isolar. A turnê foi cancelada e os meninos não puderam encontrar pessoalmente o ARMY. Diversas vezes os membros falaram o quanto é importante para eles estar em shows com os fãs e, por isso, se sentiram frustrados durante a pandemia que tirou essa possibilidade deles e do fandom. O mais recente álbum, BE, foi inteiramente trabalhado durante esse período e para essa situação. A música ‘Fly To My Room’ descreve o que os membros sentiram ao se depararem com esses acontecimentos:
“Todos os dias
É tão sufocante que estou enlouquecendo
Ainda parece o primeiro dia
Alguém, por favor, reinicie o relógio
O ano inteiro foi roubado de mim”
- Fly To My Room (BTS, 2020)
Diante da necessidade de uma mudança da qual não tínhamos controle, o BTS não só buscou meios de se aproximar do ARMY, mesmo que através da tela de um smartphone, como também buscou formas de trazer consolo e mostrar que é possível nos conectarmos e fortalecermos o vínculo entre fã e idol até mesmo em meio a uma pandemia. As músicas ‘Stay’ e ‘Telepathy’ do álbum BE são voltadas também para esse desejo que eles têm de nos ver novamente. Na primeira, eles citam o 7G como uma referência aos sete membros, já que redes de dados móveis que existem, no momento, são até o 5G, e talvez essa tenha sido a maneira de dizer que os membros estarão conectados ao ARMY independente das circunstâncias.
Na Psicoterapia Analítico-Funcional, Kohlenberg e Tsai (2006) afirmam que relacionamentos genuínos e sensíveis geram experiências intensas e profundas. O grupo usa o lirismo na composição musical como um meio para “criar” uma nova rede de dados móveis exclusiva com o fandom no contexto pandêmico e, ao mesmo tempo, tornarem-se ainda mais autênticos, o que gera respostas positivas de engajamento e cuidado entre fãs.
“Stay é uma música divertida, mas emocional, que retrata a mensagem de que mesmo que nós (BTS e ARMY) estejamos distantes, estamos sempre juntos.” Disse Jungkook, na Conferência global de lançamento do BE.
“Agora estou pensando em você
Onde quer que você esteja
Nós nos conectamos pelo 7G”
- Stay (BTS, 2020)
No artigo “BTS & ARMY, We Walk Together” da Weverse Magazine, a LP do Big Hit Three Sixty’s Artist Content Studio, Kim Su-lin, falou que o BTS buscou meios para mostrar o seu dia a dia ao fandom e que estavam buscando formas de lidar com a pandemia assim como o ARMY:
“A interrupção causada pelo surto do vírus pode facilmente fazer com que fãs e artistas se sintam impotentes. É por isso que o BTS seguiu tendências como fazer o café Dalgona no V LIVE para mostrar que seu dia a dia não é tão diferente do de seus fãs.” Ela, então, descreveu o estilo do conteúdo do BTS como: “Quando os membros ficam na frente da câmera, eles agem como normalmente fazem. Assim, quando fazemos esse tipo de conteúdo, você pode ver o verdadeiro eu dos membros.” (WEVERSE MAGAZINE, 2020)
Dessa forma, presenciamos momentos da rotina de cada membro, fomos consolados por eles e ao mesmo tempo levamos consolo a eles, compartilhando da mesma esperança de em breve nos encontrarmos pessoalmente.
Podemos dizer que isso acontece por causa da intimidade estabelecida entre o BTS e ARMY. Por intimidade, Vandenberghe (2007) entende que é o compartilhamento do que está no interior, mostrando-se ao outro sem medo de ser rejeitado. A intimidade surge quando envolve confiança e é desenvolvida através da abertura, carinho e compreensão.
Para haver intimidade, precisa haver vulnerabilidade e compaixão. Brown (2016) afirma que essas duas práticas envolvem uma relação entre iguais e o reconhecimento da humanidade em si e no outro.
Durante o Dear Class of 2020 e a 75a Assembleia Geral da ONU, dois dos muitos eventos online em que o BTS esteve presente, eles nos mostraram como estar aberto a relações e ser compassivo podem nos levar mais longe, contando seus sentimentos e memórias para milhares de pessoas. Faz-nos refletir quanta coragem é necessária para fazer isso, e talvez seja por esse motivo que o BTS nos ensina, de certa forma, a desenvolver a empatia, necessária também para nos conectarmos a eles.
Empatia é uma das habilidades mais mencionadas nas redes sociais atualmente, junto com resiliência. É uma das causas de nos identificarmos com os integrantes, com o que transmitem nas canções e formamos vínculos entre si. É uma razão, ainda, pela qual “felizmente, entre eu e você, nada mudou”, como diz ‘Life Goes On’.
Pode ser que falemos idiomas diferentes, nossas rotinas sejam distintas e que estejamos sofrendo de muitas formas com a pandemia, contudo, graças ao Bangtan, podemos ver a primavera chegando.
Texto também publicado no B-Armys Acadêmicas
Co-autoria: Alicia Mesquita
Revisão por: Rafaela Silva
Referências
- ¹Covid: saúde mental piorou para 53% dos brasileiros sob pandemia, aponta pesquisa.<https://www.bbc.com/portuguese/geral-56726583?at_custom2=twitter&at_custom3=BBC+Brasil&at_campaign=64&at_medium=custom7&at_custom1=%5Bpost+type%5D&at_custom4=DBEE976C-9D15-11EB-9B23-3D8E4D484DA4> Acesso em 19 abril de 2020.
- 방탄소년단 (BTS). 내 방을 여행하는 법 (Fly to My Room). Produzida por: Cosmo’s Midnight; escrita por: Cosmo’s Midnight, Joe Femi Griffith, RM, SUGA (BTS) & j-hope. CD digital, faixa 02. Big Hit Entertainment, 2020.
- 방탄소년단 (BTS). 내 방을 여행하는 법 (Fly To My Room) (English Translation). Genius, [s.d.]. Disponível em: <https://genius.com/Genius-english-translations-bts-fly-to-my-room-english-translation-lyrics>. Acesso em: 24 de abr. de 2021.
- 방탄소년단 (BTS). Stay. Produzida por: Arston; escrita por: Arston, JungKook, RM e Jin; arranjada por: RM e Pdogg. CD digital. Faixa 07. Big Hit Entertainment, 2020. CD digital. Faixa 07.
- 방탄소년단 (BTS). Stay (English Translation). Genius, [s.d.]. Disponível em: <https://genius.com/Genius-english-translations-bts-stay-english-translation-lyrics> . Acesso em: 25 abril 2021.
- 방탄소년단 (BTS). Telepathy. Produzida por: Hiss noise e EL CAPITXN; escrita por: RM, JungKook, SUGA, Hiss Noise & EL CAPITXN; arranjada por: RM, SUGA, J-Hope e Pdogg. CD digital. Faixa 05. Big Hit Entertainment, 2020. CD digital. Faixa 05.
- BIG HIT ENTERTAINMENT. BTS Big Hit, 2020. BE. Disponível em: <https://ibighit.com/bts/eng/discography/detail/be.php>. Acesso em: 24 de abr. de 2021.
- BROWN, B. A Coragem de Ser Imperfeito. Sextante: Rio de Janeiro, 2016.
- EFEITOBTS. BTS & ARMY, Nós caminhamos juntos (Tradução). Disponível em: <https://efeitobts.wixsite.com/efeitobts/post/weverse-magazine-21-09-2020-bts-army-n%C3%B3s-caminhamos-juntos> Acesso em: 04 de set. de 2021.
- ELBERSE, A.; WOODHAM, L (2020). BigHit Entertainment and Blockbuster Band BTS: K-pop Goes Global. Massachusetts Harvard Business School.
- COLLIN, C.; BENSON, N.; GINSBURG, J.; GRAND, Y.; LAZYAN, M.; WEEKS, M. O livro da Psicologia. Trad.: Hermeto, C. M.; Martins, A. L. 2 ed. São Paulo: Globo Livros, 2016.
- DELEUZE, G.; GUATTARI, F. (1995) A Thousand Plateaus. Vol. 1 Editora 34, 1ª Ed.
- KOHLENBERG, R. J.; TSAI, M. Fap: Functional Analytic Psychotherapy. 1 ed. Esetec, 2006.
- VANDENBERGHE, L; PEREIRA, M. B. O papel da intimidade na relação terapêutica: uma revisão teórica à luz da análise clínica do comportamento. Psicologia: Teoria e Prática, v. 7, n. 1, p. 127–136, 2005. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872005000100010> Acesso em: 24 de abr. 2021
- WEVERSE MAGAZINE. BTS & ARMY, We Walk Together. Disponível em: <https://magazine.weverse.io/article/view?lang=en&colca=3&num=> Acesso em: 24 de abr. 2021