“Smooth like Butter”: BTS e ARMY conquistando espaços de forma sutil, mas poderosa

Gabrielle Guimarães
7 min readSep 5, 2021

À 1h da manhã do dia 21 de maio de 2021, o BTS lançou seu segundo single em inglês, ‘Butter’. As divulgações da música foram bem minimalistas e misteriosas. Confessamos que ficamos pensando o que poderíamos falar sobre ela enquanto saíam os concept clips e teasers, mas, após o lançamento do MV e a movimentação do ARMY nas plataformas musicais, chegamos a este tema.

Sendo assim, este texto tratará de como o BTS e o ARMY, através da coletividade, combinação de culturas e proatividade, vão pouco a pouco quebrando padrões limitantes impostos por sociedades dominantes na música.

Sabemos que o BTS é único em diversos sentidos e o primeiro ato sul-coreano a ter diversas realizações. Contudo, o Bangtan pode ser considerado mais uma “consequência” do que “algo que acontece antes” de mudanças sociais. Isso porque, para que o grupo tenha a influência que possui atualmente, diversas demandas por diversidade cultural, social e linguística tiveram que vir à luz (LEE, 2019).

Dizer isto significa considerar as implicações de variáveis socioculturais que se movem e surgem ao redor dos integrantes. Levando isso em conta, questiona-se, por exemplo, que idioma é poderoso o bastante para ser representado de forma positiva pela mídia internacional, visto que, geralmente, artistas falantes de inglês são mais bem-vistos em notícias.

“Alguém poderia dizer que K-pop é para coreanos que cantam uma música coreana… Mas e ‘Dynamite’? Cantamos a música em inglês, mas somos coreanos…”
- RM para Rolling Stone (2021)

Quando ‘Dynamite’ foi indicada aos Grammys e várias premiações dentro e fora da Coreia, certas pessoas disseram que a música só teve muitas conquistas por ser cantada em inglês. No entanto, diversos fatores influenciaram os ganhos da canção e se perpetuam com ‘Butter’. Como o próprio RM diz na entrevista, tanto o BTS quanto o K-pop expandiram-se bastante. A comunidade global que escuta o grupo e o gênero tem grande parte nisso.

Em Psicologia Comunitária, entende-se comunidade como espaço de transformações sociais, organizando experiências humanas grupais e individuais, transformando também o psíquico. Essas experiências podem incluir sofrimento por humilhação social (SVARTMA; GALEÃO-SILVA, 2016), e um grupo que sofre com estigmatização, preconceito e humilhação social é o ARMY.

Como dissemos no texto sobre a relação entre BTS e ARMY durante a pandemia, há uma relação de igualdade entre nós e eles, e essa participação igualitária cria condições para elaboração em grupo desse sofrimento por humilhação social (SVARTMA; GALEÃO-SILVA, 2016). Um exemplo disso seria a forma como ARMYs se empenham para que o BTS esteja no topo das paradas musicais, divulgando regras e metas de stream para ‘Butter’ desde que a música foi anunciada.

Diversas fanbases criaram tutoriais, playlists e metas para que a música obtivesse boa colocação nos charts de vários países. Até o próprio SUGA mostrou que estava firme no stream assim que a canção chegou ao Spotify.

Postagem do SUGA no Twitter

O fato de a música ser em inglês significa mais que o sucesso comercial. SUGA inclusive diz, no MV Shooting, que queria se aproximar de todos. O vídeo também possui referências a músicas antigas do grupo, como o elevador de ‘Dope’ e letra que explicitamente declara o amor do grupo pelo ARMY. Segundo Gonçalves e Portugal (2014), valorizar os elementos próprios do grupo e a participação do fandom traz afetividade, solidariedade e forma identidade.

Sobre identidade, Bock (1999) afirma que o indivíduo está em constante transformação, uma vez que cada contato com o mundo e cada nova relação social nos proporciona mudanças e nossa identidade é formada a partir do conjunto dessas vivências.

Quando nos inserimos em uma comunidade, também passamos por transformações e nos sentimos parte dela com base nas crenças e sentimentos que compartilhamos com aquele grupo e o comprometimento com a ação coletiva. Com isso, quando nos identificamos com a massa, há solidariedade e um aumento de participação nos assuntos tratados por esse grupo e nos enfrentamentos coletivos dele (JESUS, 2013, p. 499).

Sendo assim, apesar de quem está de fora muitas vezes pensar que a movimentação no fandom tem como objetivo apenas quebrar recordes, colocar ‘Butter’ em primeiro nos charts vai muito além disso. Trata-se de uma busca por mudanças, principalmente para quebrar os padrões musicais impostos pela sociedade, em que artistas de outras etnias acabam não tendo espaço diante de um sistema já enraizado da indústria norte-americana.

Há quem diga que uma música cantada em inglês não traz mudança alguma, mas não podemos ignorar o fato de que tanto ‘Butter’ quanto ‘Dynamite’, apesar de serem totalmente em inglês, ainda são cantadas por coreanos e isso ainda causa resistência em muitas pessoas que carregam preconceito contra outros povos e culturas. E esse preconceito está presente e mascarado até mesmo em cerimônias que deveriam premiar os artistas por seus trabalhos e não por sua raça, cor ou gênero.

Assim como os membros lutam para quebrar essas barreiras linguísticas e a xenofobia usando como armas suas vozes, seus estilos, sua cultura e atitudes, nós, ARMYs, também usamos nossos meios para que outras pessoas possam nos ouvir.

Segundo Sposito (2000), essa ligação, movida principalmente pela música, tem direcionado grupos a constituírem identidades e formas de compreensão da realidade social. Em vez de ignorar os problemas na sociedade ou se conformar com essas desigualdades, esses grupos constroem espaços nos quais falam sobre suas dores, solidões e os processos de exclusão aos quais muitas vezes são submetidos, e trabalham em cima deles criando possibilidades para o futuro.

“É importante tentar encontrar um meio-termo feliz onde as pessoas de ambas as línguas e culturas ou outras línguas o entendam. Então tentamos escrever letras meio alegres, que possam ser entendidas por pessoas que falam outras línguas.”
- SUGA para Rolling Stone (2021)

Com isso, como o grupo disse no MV Shooting, ‘Butter’ não possui mensagem pesada, é realmente uma música para dançar. Porém, ela simboliza mais do que percebemos à primeira vista. Um exemplo é a batida do início da música, que é inspirada em ‘Another One Bites The Dust, do Queen. Essa música mistura os gêneros R&B, pop e funk, de forma semelhante à nossa manteiga derretida. Assim como o BTS, a banda inglesa também foi termômetro para as mudanças sociais e culturais das décadas de 1970–1980, trazendo versatilidade em suas músicas, acompanhando as revoltas dos anos 70 e o brilho dos anos 80 (CHIU, 2015).

Apesar de o Queen ser uma banda inglesa, por seu ex-vocalista Freddie Mercury ser da comunidade LGBTQIA+, a banda foi boicotada pela mídia norte-americana. Não raro, esta também faz tentativas de afetar negativamente a forma como o Bangtan e ARMY são representados. Isso indica que a indústria norte-americana ainda controla muito a percepção do que é hit ou fracasso. Ainda assim, mesmo com essas tentativas, o grupo e seus fãs conseguem derreter qualquer notícia negativa, seja com conceitos versáteis e inovadores, seja estando no topo das paradas ou com suas doações a causas relevantes.

Os resultados da união e coletividade entre ARMYs podem ser psíquicos, como dissemos, mas, além disso, apresenta resultados concretos. Na terça-feira do dia 01 de junho de 2021, ‘Butter’ atingiu o topo da Hot100 da Billboard. Apesar de não ser a primeira música do Bangtan a chegar no primeiro lugar dessa parada musical, é muito representativa, visto que o single foi boicotado pelas principais plataformas digitais de música.

O fandom ARMY, de maneira bem geral, identifica-se com os membros porque eles são, ainda, minorias. Uma fã da América do Sul sente conexão com os integrantes porque ambos passam pela humilhação social, por exemplo, xenofobia. Contudo, Nepomuceno et al. (2013) afirmam que essa identificação gera participação e compartilhamentos. Logo, ao ver que um grupo da Coreia do Sul que canta em inglês, coreano e japonês pode chegar ao topo (simbolicamente ou não), percebe-se que as mudanças da sociedade contemporânea estão sendo expostas por vozes diferentes das que a maioria está acostumada a ouvir.

Isso cria fissuras na cultura dominante, ao alterar aqueles que estão no poder dentro da indústria musical através de mudanças tão suaves, mas tão importantes, ou seja, dando voz às demandas socioculturais e a nós, como comunidade e indivíduos (LEE, 2019), fazendo nossas vozes serem ouvidas lado a lado.

Texto também publicado no B-Armys Acadêmicas
Co-autoria:
Alicia Mesquita
Revisado por: Ana Fonseca

Referências

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Gabrielle Guimarães

23 anos, psicóloga, escritora e fã de cultura asiática.